sábado, 23 de maio de 2020


DARWINISMO SOCIAL E A TEORIA DA EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES

Por Genival da Silva
Professor da educação básica

“From the Cape to Cairo” (1902), de Udo Keppler.
O presente texto possui como pretensão identificar e compreender as diferenças entre o Darwinismo social e a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin.  O primeiro trouxe pelos estudos da evolução, a ideia do progresso e da superioridade da raça branca europeia. Enquanto que para o segundo, os estudos relativos à evolução das espécies e a seleção natural, demonstrou que não há possibilidades de um vínculo no campo de uma compreensão sociológica. Mas a defesa do Darwinismo social por Herbert Spencer influenciou diversas teorias, como racismo, imperialismo e a eugenia, dentro de uma visão sociocultural nos países industrializados da Europa. Essas ideias repercutiram para todo o território europeu e para países da América como os Estados Unidos e o Brasil. 

Herbert Spencer (1820-1903), filósofo inglês, é considerado um grande expoente do Darwinismo social sob a perspectiva da “sobrevivência dos mais aptos”. Este estudo social, centrado no tema da evolução foi desenvolvido entre os séculos XIX e XX. 

Os estudos de Spencer, do darwinismo social, consistiram numa tentativa de aplicar a teoria darwinista para entender as sociedades humanas. Em outras palavras, significou uma reelaboração da teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin, e da seleção natural do terreno da ciência natural para a realidade sociocultural.  


Nesse cenário, a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin, foi direcionada para fins políticos e econômicos dos países capitalistas da Europa do século XIX. Compreendemos que Darwin, nunca procurou elaborar uma relação entre a sua teoria da evolução das espécies a progresso.  Entretanto, mesmo sem nenhuma relação, gerou a ideia de darwinismo social para Spencer.

O ideal de progresso já estava impregnado na Europa no século XIX por filosofias como a do positivismo, incluindo Herbert Spencer. Esse defende que a sociedade possui como característica engendrar uma beligerante evolução positiva entre os seres humanos, ou seja, progride conforme os indivíduos mais adaptados e habilidosos, pois em consideração a uma adaptação fortemente sociológica. A seguir teremos um esclarecimento sobre um embate entre o Darwinismo e Spencerismo.  

Primeiramente, é vital verificar que o Darwinismo social, é uma leitura da sociedade a partir da teoria da evolução positiva. Recebe esse nome, uma vez que se baseia no Darwinismo, que é a teoria da evolução desenvolvida por Charles Darwin (1808-1882), no século XIX. Para Spencer, a sociedade é formada por indivíduos que competem uns contra os outros. Com essa tese, a “evolução” as sociedades progridem com a sobrevivência dos mais adaptados. No entanto, para Darwin, evolução nunca significou progresso. 




Para Darwin, a evolução é simplesmente mudança, e não necessariamente leva a algum tipo de hierarquia, seja ela superior ou inferior. Logo, cada espécie é adaptada ao seu contexto e, portanto, não existe uma superior. Por essa razão, muitos estudos preferem chamar essa doutrina de spencerismo social ao invés de darwinismo. 

A relação beligerante entre os indivíduos na sociedade, conforme o darwinismo social de Spencer criou-se as justificativas para o racismo, que foi propagado no século XIX. Para os adeptos dessa tese, um dos fatores que influenciavam nessa luta era a raça: na existência de indivíduos incapacitados racionalmente. Nessa situação, as sociedades eram levadas a declinar-se. 

Para Spencer, a teoria da evolução de Darwin, podia ser perfeitamente aplicada à evolução da sociedade, ou seja, como existia uma seleção natural entre as espécies, com o predomínio dos animais e plantas mais capazes, ela existiria também  na sociedade. 

Nesse raciocínio, o darwinismo social acabou fundamentando diversas práticas racistas em que a raça branca era a superior e a única responsável em levar as sociedades ao progresso. Dito isso, o darwinismo social acreditava na existência de sociedades superiores e inferiores. As que se sobressaem física e intelectualmente deveriam ser os governantes das sociedades racionalmente incapacidades. Sendo assim, estas deixariam de existir pelo fato de que não eram capazes de acompanhar a linha evolutiva da sociedade. Assim, elas entrariam em extinção acompanhando o princípio de seleção natural.  



Partindo dessa concepção, surgiu a Eugenia. Esta formulada pelo inglês Francis Galton (1822-1911). Igualmente uma tentativa de afirmar uma necessidade de selecionar os indivíduos com melhores genes para aprimorar a sociedade como um todo. A tese consistiu em comprovar a existência de genes bons nas sociedades e nesse sentido, como contrapartida, a existência dos genes indesejáveis. Para tanto, as práticas eugênicas procuravam eliminar essas características ruins na população. E mais uma vez, através dos considerados “genes bons”, a raça branca não eram identificadas nas populações não europeias. Estas estavam presentes nos amarelos, os indígenas (ou chamados “vermelhos”) e nos negros, no topo da hierarquia evidentemente, estariam nos brancos. Essa hierarquia, contudo, nunca foi verificada cientificamente, mas, resultou em um fenômeno chamado imperialismo.

Entre as últimas décadas do século XIX e o início do século XX, por meio do imperialismo, os governos dos países europeus industrializados mobilizaram recursos econômicos, tecnológicos e militares para subjugar outros povos que ficaram submetidos à exploração colonial. 

A prática do imperialismo provocou uma partilha do globo terrestre entre as nações europeias industrializadas. O objetivo era de obter mão de obra e matéria-prima baratas em suas respectivas colônias, além de um mercado consumidor para seus produtos industrializados.

O imperialismo, portanto, consistiu em um movimento de expansão do território, cultura e economia de uma nação para povos vizinhos ao redor do mundo. Nesse ponto, o imperialismo encontrava no darwinismo social um argumento favorável, além do racismo e da eugenia. 

Para tanto, as justificativas dos que defendiam o imperialismo era que a Europa estava levando a “civilização” para os povos mais “atrasados”. Na prática, o que houve foi uma exploração das pessoas e dos recursos naturais de diversas populações. Em alguns casos, ocorreu até mesmo o extermínio de grupos que resistiam à dominação estrangeira. 

O darwinismo social ajudava a escamotear essas violências com o argumento da “sobrevivência dos mais aptos”. As sociedades europeias seriam supostamente mais avançadas e, por isso, conseguiam expandir sua influência ao redor do mundo. Todavia, atualmente sabe-se que todas as culturas são complexas e não há uma forma de organizá-las entre “avançadas” e “atrasadas”.  

Diante do exposto, podemos compreender que o darwinismo social foi uma doutrina que se espalhou pelo mundo juntamente com o imperialismo, pois as ideias que vieram do darwinismo social tiveram vários impactos sociais e políticos. 


Acima temos uma charge francesa de 1885. Vemos uma representação possível da divisão da China entre Inglaterra, a Alemanha e a Rússia. A França país que tinha grandes investimentos na Rússia olha por trás do Czar (imperador da Rússia), participando indirectamente do jogo imperialista. Entretanto, o Japão, demonstra está pensativo, pois analisava como poderia participar da partilha. Ao fundo, temos o imperador chinês que observa a cena em um estado de aflição. A seguir, temos outra charge, de um Britânico sendo servido por indianos. 



Também abaixo, temos outra charge de F. Victor Gillam, onde podemos identificar como os países imperialistas justificavam seu domínio pelo do “fardo do homem branco”. Nisto, ilustra o pensamento disseminado de que as nações ocidentais estariam fazendo um favor às nações não brancas interferindo em sua política. 



Caro leitor, em nossas considerações finais, tente observar a seguinte realidade: dentro do contexto do século XIX, um rico francês poderia dormir em paz após provar um chocolate, enquanto viajava de trem pela Europa. Essa situação “agradável” foi resultado de muito sangue derramado, para que fosse possível ele andar sobre aqueles trilhos e poder saborear o seu doce. Entretanto, se fosse uma pessoa com menos posse, ainda assim com boa qualidade de vida, provavelmente ela se encontrava orgulhosa, pois a sua nação estaria ensinando aos pobres e inferiores colonizados a crescer.

Como vimos, essa realidade poderia ser explicada pelo ponto de vista do Darwinismo Social, de Herbert Spencer. Este justificava a presença europeia na África e na Ásia pela ideia da “sobrevivência dos mais aptos e do “fardo do homem branco”. O Darwinismo Social inspirado (mas não concebido) na teoria evolucionista, afirmava que havia uma diferença biológica entre diferentes etnias que permitiria a separação dos indivíduos entre superiores e inferiores. 

Sendo assim, o “sucesso econômico e intelectual” dos homens brancos ocidentais seria um reflexo do que afirmava aquela tese. Dessa maneira, aos “superiores” restava a “missão humanitária” de civilizar os outros povos do mundo. Isso justificaria o domínio de franceses, ingleses, alemães, belgas e tantos outros países sobre outros continentes.


Como fonte de estudo da sociedade colonial brasileira, temos acima uma das obras de Jean-Baptiste Debret. O pintor chegou ao Brasil no dia 26 de março de 1816 integrando a Missão Artística Francesa, foi contratado por D. João VI para fundar no Brasil uma Academia de Belas Artes, permaneceu no país durante quinze anos. As pinturas de Debret são facilmente encontradas nos livros de história e auxiliam no entendimento de diversas passagens do cotidiano brasileiro no século XIX. Na obra acima, o pintor deixou impresso na imagem a relação de violência existente entre o feitor branco e o escravo negro, situações comuns no sistema escravocrata que prevaleceu no Brasil por mais de trezentos anos. Fonte: <https://escolaeducacao.com.br/brasil-colonial-de-jean-baptiste-debret/>. 







terça-feira, 21 de abril de 2020



DESENVOLVIMENTO DE IDEIAS INOVADORAS

                                 Por Genival da Silva                                         
Professor de História da Educação Básica



Quando falamos sobre ideias inovadoras, torna-se inevitável as seguintes perguntas, dentre tantas outras:  de onde vêm as boas ideias? Qual origem das ideias criativas? Frente as essas indagações, é importante compreender um pouco de Steve Johnson que investigou, sobretudo, de onde vêm as boas ideias.  No seu livro, De onde vêm as boas ideias - A História natural da Inovação, sem dúvida, aborda uma resposta que todos nós estamos interessados em saber. Nessa obra, ele busca compreender os caminhos que levam as ideias transformadoras. 


A sociedade brasileira está vivendo, diante do Coronavírus (Covid-19), o isolamento social, instigando muitos empresários a criar mais ideias criativas, afinal, as carreiras e os negócios dependem disso. Para Johnson, nesse sentido, é preciso compreender que não é por acaso que criatividade e inovação caminham juntas. Certo, mas, como ser mais criativo e mais inovador? Outra coisa, existem maneiras que nos ajudam a gerar boas ideias e aumentar a nossa criatividade? Para Johnson, a criatividade e inovação não surgem de repente, como se fosse de um súbito lampejo de genialidade. Nisto compreendemos o que aconteceu com Charles Darwin, quando chegou as suas conclusões no seu livro sobre a Origem das Espécies e a Seleção Natural. Charles Darwin chegou até afirmar que a teoria da Origem das Espécies e a Seleção Natural, aconteceu em 28 de setembro de 1838, enquanto estava lendo os escritos de Thomas Malthus, pois esse tinha realizado uma pesquisa sobre população e aí, quando de repente, concluiu a sua teoria de forma simples.



Entretanto, é necessário compreendermos o seguinte, sob o ponto de vista de Johnson: somente foi possível para Darwin chegar as suas conclusões, por conta dos seus cadernos de anotações, pois revelaram que a teoria estava se formando na sua mente há mais de um ano. Logo, as ideias mais importantes levam tempo para evoluir e passam um período adormecido antes que sejam realizadas na prática. Ademais, vemos que as ideias criativas são construídas a partir de várias outras ideias menores já existentes, na nossa mente, ou seja, à medida que estudamos algum assunto, podemos ver as suas partes como tijolos de uma parede e com o tempo, torna-se algo inovador, uma obra completa.
Geralmente, o que transforma uma ideia menor numa grande ideia, extraordinária, são as ideias de outras pessoas. Nisto compreendemos o que aconteceu no século XVIII em França (1789), a Revolução Francesa. Essa Revolução foi discutida durante as conversas de vários filósofos, conhecidos como iluministas, nos salões parisienses que durante os cafés criaram espaços, onde as ideias puderam se misturar e combinadas, provocaram novas formas de pensar a realidade socioeconômica e política de um país e dessa forma, no final, diante de várias revoltas populares, foi possível realizar na prática uma mudança violenta na sociedade francesa que foram seguidas por várias regiões do mundo.
Diante do exposto, torna-se vital compreender a sociedade brasileira, no que se refere a utilização das nossas redes sociais, pois ela nunca na história encontrou tantas formas de criar possibilidades de conexão, de buscar e encontrar pessoas. Nisto, aprendemos que existem pessoas que possuem aquela peça de pensamento que porventura, faltava para completar a ideia que estávamos conectados há um certo tempo, que nos deparamos por acaso, com alguma informação nova e incrível que certamente, podemos usar para desenvolver as nossas próprias ideias. Portanto, o que podemos compreender sobre o ponto de vista de Johnson, é uma verdadeira lição de vida a partir do acaso, pois para ele, o acaso através das nossas conversas, é uma verdadeira ferramenta criadora de boas ideias e criatividade, pois possuem apenas uma função: gerar inovação. Nessa lógica, para Johnson, o acaso ajuda uma mente conectada. 


                                           https://www.pensador.com/frase/ODU1NzI4/

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

FILOSOFIA CONTRATUALISTA
Durante o Iluminismo, entre os séculos XVII e XVIII, na Europa, sobretudo na França, na Inglaterra e na Alemanha, a ideia de liberdade estava vinculada à política. A defesa do uso livre da razão, que define o movimento iluminista, ocorreu durante o período conturbado politicamente. Na Inglaterra do filósofo Thomas Hobbes, aconteceu a Revolução de 1640 e a ditadura de Oliver Cromwell, por conseguinte, em 1688, período das publicações de John Locke, ocorreu a Revolução Gloriosa, resultando na solidificação do Estado Liberal. Na França, a luta dos iluministas, como Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau, foi contra o governo absolutista do Antigo Regime, o que resultaria na Revolução Francesa, em 1789. 
Dentro desse contexto, a proposta aqui é identificar e compreender o Estado de Natura de três grandes pensadores modernos que marcaram a reflexão sobre a questão política: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.Um ponto comum perpassa o pensamento desses três filósofos a respeito da política: a ideia de que a origem do Estado está no contrato social. O princípio básico configura-se no sentido de que, o Estado foi constituído a partir de um contrato firmado entre as pessoas. 
Em outras palavras, o contrato social define-se como um acordo, consenso, não como um documento registrado em cartório. Assim, a ideia é defender que o Estado se originou de um consenso das pessoas em torno de alguns elementos essenciais para garantir a existência social. Entretanto, cada filósofo compreender a concepção de natureza humana de um modo particular, pois os termos do contrato social são específicos para cada teoria filosófica. 
Thomas  Hobbes (1588-1679) acreditava que o contrato foi feito porque o homem é o lobo do próprio homem. Há no homem um desejo de destruição e de manter o domínio sobre o seu semelhante (competição constante, estado de guerra). Por isso, torna-se necessário existir um poder que esteja acima das pessoas individualmente para que o estado de guerra seja controlado, isto é, para que o instinto destrutivo do homem seja dominado. Neste sentido, o Estado surge como forma de controlar os "instintos de lobo" que existem no ser humano para garantir a preservação da vida das pessoas. Para que isso aconteça, é necessário que o soberano tenha amplos poderes sobre os súditos. Os cidadãos devem transferir o seu poder ao governante, que irá agir como soberano absoluto a fim de manter a ordem. 
Desse modo, para Hobbes, o indivíduo vive diariamente com sentimento de insegurança, pensando que o outro homem poderá atacar a qualquer momento; roubar sua casa, suas coisa e assim, procura se antecipar diante da possibilidade de violência. Então, trancam as portas das casas, colocam grades, constrói muros altos etc. Com isso, verifica-se que, a igualdade faz com que todos desejem as mesmas coisas e tenham recursos iguais para adquiri-los. Ou seja, os homens passam a desconfiar uns dos outros, pois a insegurança os tomam por completo e por isso, defendem a ideia de se antecipar a reação do outro. Resultado disso é o conflito. 
Então é possível concluir que a natureza humana para Hobbes consiste em três causas para o conflito humano: a competição que leva os seres humanos a atacarem-se mutuamente com o objetivo de obtenção de lucro; a desconfiança que o faz brigar por segurança; e a glória que é o motivo da discórdia pela boa reputação. Por isso, enquanto não houver um poder que organize os homens e os proteja de sua própria natureza egoísta, de acordo com Hobbes, o estado beligerante, de guerra de todos contra todos, é inevitável. Mas é necessário compreender que Hobbes, igualmente para Rousseau, no estado de natureza, nada pode ser considerado injusto e justo, pois não há moralidade nem leis.    



Na obra, “Leviatã”, Thomas Hobbes a poia suas ideias políticas no absolutismo do século XVII. Ele que foi partidário do absolutismo político discorda da noção de “direito divino”. Segundo o filósofo, a primeira lei natural relativo ao Estado de Natureza, o homem é para a autopreservação, que o induz a impor-se sobre os demais. Então, para Hobbes, o Contrato social, faz com que o indivíduo venha abolir da sua capacidade de atacar os outros em troca do abandono, pelos os outros, do direito de atacar o indivíduo. Sendo assim, o Leviatã, o Soberano, deve possuir o poder absoluto para controlar e de estabelecer a justiça e, dessa forma, punir aquele que quebre o contrato social.     


Em contrapartida para John Locke (1632-1704), o Estado existe não porque o homem é o lobo do homem, mas em função da necessidade de existir uma instância acima do julgamento parcial de cada cidadão, de acordo com os seus interesses. Os cidadãos livremente escolhem o seu governante, delegando-lhe poder para conduzir o Estado, a fim de garantir os direitos essenciais expressos no pacto social. O Estado deve preservar o direito à liberdade e à propriedade privada. As leis devem ser expressão da vontade da assembleia e não fruto da vontade de um soberano. Locke é um opositor ferrenho da tirania e do absolutismo, colocando-se contra toda tese que defenda a ideia de um poder hereditário, inato dos governantes, ou seja, de pessoas que já nascem com o poder (por exemplo, a monarquia).


No que se refere ao empirismo, John Locke na obra, Ensaio sobre o Entendimento Humano, afirma que, o conhecimento não é inato na humanidade, pois sua aquisição deriva da experiência. Sendo assim, para Locke as capacidades humanas são inatas, mas o conhecimento é adquirido. Diante disso, é possível compreender o pensamento de Locke quando afirma que, os cidadãos livremente escolhem o seu governante, delegando-lhe poder para conduzir o Estado, a fim de garantir os direitos essenciais expressos no pacto social. Ora se o conhecimento não nasce pronto nos homens, mas é fruto da experiência por meio dos sentidos, logo todos os homens são capazes de compreender a realidade mediante sua competência racional e escolher  dessa forma, quem irá governá-los.  
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) por sua vez, compreendia que o ser humano é essencialmente bom, mas contextualizado em sociedade, o homem é levado a se corromper. Faz-se necessário compreender que, na verdade, o ser natural não é bom nem mal, pois não há atributos morais estabelecidos, ninguém julga ninguém; mas, diz-se que ele possuiu aparente característica de bom porque não entra em conflito com os outros humanos, não é beligerante. Nisto é possível identificar que, o homem para Rousseau no estado de natureza, não comete injustiças porque não faz uso da razão. 
Assim, Rousseau considera que com o uso da razão o povo tem a soberania e dessa forma, conclui que todo o poder emana (tem sua origem) do povo e, esse poder deve ser exercido em prol do povo. Nesse sentido, o governante nada mais é do que o representante do povo, ou seja, recebe uma delegação para exercer o poder em nome do povo. Sendo assim, Rousseau defende que o Estado se origina de um pacto formado entre os cidadãos livres que renunciam à sua vontade individuais para garantir a realização da vontade geral. 
No mais, o pensamento político de Rousseau é a questão da democracia direta e da democracia representativa. A democracia direta supõe a participação de todo o povo na hora de tomar uma decisão. A democracia representativa supõe a escolha de pessoas para agirem em nome de toda a população no processo de gerenciamento das atividades comuns do Estado. Como acontece numa estrutura política presidencialista, por exemplo. 

Rousseau na obra Do Contrato Social demonstra o que legitima a passagem da liberdade natural para a escravidão social. Segundo o filósofo, o estado de natureza é de total liberdade e, principalmente, de plena igualdade. Os homens vivem tranquilos e pacificamente, embora não convivam socialmente. Quando se institui a propriedade privada, a humanidade abandona o estado de natureza, pois já não há mais igualdade nem liberdade: cada um quer uma parte, cada vez maior que a do outro, e a propriedade gera mais poder, então quem mais propriedade e mais poder possui deseja invadir o espaço do outro, que perde assim sua liberdade. O estado de sociedade é o estado de servidão. Logo, o que legitima a servidão é a instituição da propriedade privada.   
Para Rousseau, o contrato social vem estabelecer, de maneira voluntária entre todos, uma forma de sociedade mais justa pois aqui já se faz uso da capacidade de racionalizar a realidade, embora seja quase impossível recuperar a liberdade e a igualdade do estado de natureza. O fundamento do contrato social é garantir a igualdade política, civil. Mas é preciso compreender que, o homem ao torna-se um cidadão, renuncia a sua liberdade individual e ao mesmo tempo adquire outra forma de liberdade, que é a de participar da vontade geral, das decisões do bem coletivo. 
Dentro desse contexto é possível compreender o porquê dessa obra, O Contrato Social de Rousseau ter inspirado os ideais da Revolução Francesa de 1789, pois explica o nascimento da sociedade pelo contrato social e pregar a soberania do povo.

      

Já na obra, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Rousseau afirma que a invenção da propriedade privada, das sociedades e das leis foram acontecimentos que deram origem, diversificaram e aprofundaram as formas de desigualdade. 
Entre os três filósofos contratualistas, Rousseau e Hobbes convergem em um ponto de suas teorias: no estado de natureza, nada pode ser considerado injusto e justo, pois não há moralidade nem leis. A vida moral começa, segundo esses filósofos, quando os homens assinam o contrato social. 
Contudo para Locke, os homens abandonam o estado de natureza porque não se sentem protegidos, pois estão sempre sujeitos a um ataque de um poder maior. Assim, na tentativa de preservar sua liberdade e propriedade natural, os homens se juntam em sociedade e elaboram um contrato social, que contém as regras para viverem juntos, com legislação e jurisdição previstas para apenas um corpo político.       



domingo, 16 de outubro de 2016

ARISTÓTELES: A FELICIDADE COMO SABEDORIA PRÁTICA

 Por Michel Aires de Souza
Aristóteles (384-322 a.C) nasceu em Estagira (Macedônia). Seu pai era médico do rei Felipe da Macedônia. É considerado, juntamente com Sócrates e Platão, um dos mais influentes filósofos gregos do mundo ocidental.  Foi aluno de Platão e educou Alexandre, o Grande. Criou o pensamento lógico e a biologia como ciência.  “Em suas obras sobre a natureza, Aristóteles tentou descobrir uma hierarquia de classes e espécies (…). Ele estava convencido de que a natureza tinha uma finalidade e que cada traço específico de um animal existia para cumprir uma determinada função”. (Strathern, 1997, p.24).  Dessa forma, Aristóteles foi o primeiro filósofo a valorizar a observação e a experiência em seus estudos e, por isso, pode ser considerado o pai do método científico.
Aos 17 anos foi para Atenas, o maior centro filosófico e artístico de toda antiguidade, matriculou-se na escola de Platão, e lá permaneceu por vinte anos, até 347 a.C. Após a morte de seu mestre fundou sua própria escola, o Liceu. Ao contrário da Academia, que valorizava o pensamento teórico, o Liceu privilegiava as ciências naturais. Dirigiu o liceu até 324 A.C. Com a morte de Alexandre , surgiram sentimentos xenófobos, antimacedônicos,  em Atenas, sentindo-se ameaçado Aristóteles fugiu, afirmando não permitir que a cidade cometesse um segundo crime contra a filosofia, assim como cometerá com Sócrates. Apesar de sua escola ter privilegiado as ciências naturais, Aristóteles também pensou os problemas políticos e sociais de sua época, assim como se debruçou sobre os problemas éticos e morais.  Em seu livro, “Ética e Nicomaco” Aristóteles, pensou profundamente sobre a felicidade humana. 
       Para Aristóteles,  a felicidade não está ligada aos prazeres ou as riquezas, mas a atividade prática da razão. Em sua opinião,  a capacidade de pensar é o que há de melhor no ser humano, uma vez que a razão é nosso melhor guia e dirigente natural.   Se o que caracteriza o homem é o pensar, então esta e sua maior virtude e, portanto, reside nela à felicidade humana.  “Aristóteles, fiel aos princípios de sua filosofia especulativa, e após ter feito uma análise e um estudo da psicologia humana, verifica que em todos os seus atos o homem se orienta necessariamente pela ideia de bem e de felicidade e que nenhum dos bens comumente procurados (a honra, a riqueza, o prazer) preenche esse ideal de felicidade. Daí a sua conclusão: primeiro, a felicidade humana deverá consistir numa atividade, pois o ato é superior a potência; segundo, deverá ser uma atividade relacionada com a faculdade humana mais perfeita que é a inteligência (…)”. (Costa,1993, p.67) 
        Em seu livro, “Ética e Nicômaco”,  Aristóteles mostra-nos que os homens se tornam o que são pelo hábito. Os homens se tornam bons engenheiros  construindo, e se tornam músicos tocando, da mesma forma um homem torna-se justo praticando atos justos e mal praticando atos maus. Um homem torna-se um bom ou mau músico por tocar bem ou mal. Um escritor torna-se um bom ou mau escritor por escrever bem ou mal. Assim como um mau músico não tem o hábito de tocar, também o mau escritor não tem o hábito de pensar e escrever.   Dessa forma, para se tocar música ou escrever bem é necessária a excelência, é necessário o engajamento, é necessário o hábito. A prática continua de uma atividade ou de um comportamento nos possibilita internalizar aquele hábito. Somente a prática leva a excelência. Esse raciocínio serve para todas as atitudes e atividades humanas. Pelo hábito de sentir receio ou confiança tornamo-nos covardes ou corajosos. O mesmo se aplica aos desejos e a raiva, por se comportarem da mesma forma e do mesmo modo em todas as circunstâncias algumas pessoas tornam-se moderadas e amáveis, outras se tornam concupiscentes ou irascíveis. É por isto que devemos fazer uso da razão em nossas escolhas e atividades. Devemos sempre desenvolver nossas atitudes e atividades de uma maneira racional.          
       A felicidade para Aristóteles corresponde ao hábito continuado da prática da virtude e da prudência. Por sua própria natureza os homens buscam o bem e a felicidade, mas esta busca só pode ser alcançada pela virtude. A virtude é entendida como Aretê – excelência. É somente através do nosso caráter que atingimos a excelência. A boa conduta, a força do espírito, a força da vontade guiada pela razão nos leva à excelência. Dessa forma, a felicidade está ligada a uma sabedoria prática, a de saber fazer escolhas racionais na vida. É feliz aquele que escolhe o que é mais adequado para si. 
        A razão é a faculdade que analisa, pondera, julga, discerne. Ela nos permite  distinguir o que é bom ou mau,  a distinguir os vícios das virtudes. Ela  nos permite fazer escolhas pertinentes para nossa felicidade. Por exemplo, a temeridade é um vício por excesso, a covardia é um vício por falta; o meio termo é a coragem, que é uma virtude. O orgulho é um vício por excesso,  a humildade um vício por falta; o meio termo é a veracidade, que também é uma virtude. A inveja é um vício por excesso, a malevolência é um vício por falta; o meio termo é a justa indignação. Para Aristóteles toda escolha exige uma mediania, um equilíbrio entre o excesso e a falta.  Na vida não podemos ser imprudentes e impulsivos se arriscando em situações perigosas. Por outro lado,  também não podemos ser covardes e ter medo de tudo deixando que o medo nos domine. É necessário o meio termo entre esses dois sentimentos, devemos enfrentar os medos e perigos sabendo agir com bom senso. O mesmo raciocínio serve para alimentação, não podemos comer muito para passar mal do estômago, assim como não podemos evitar comer, pois também vamos adoecer. Devemos comer com moderação. Por esta ótica, também podemos pensar os sentimentos.  Na vida não podemos ser vaidosos preocupando-nos apenas com nossas qualidades, satisfazendo sempre o nosso ego. Por outro lado, também não podemos ser muito modestos, achando que somos inferiores. É necessário auto-estima, sabendo reconhecer através da razão nossos defeitos e nossas qualidades. Para Aristóteles, portanto, devemos sempre escolher o meio termo, sendo moderados em tudo o que fazemos na vida. Somente assim atingiremos o bem e a felicidade.    
Bibliografia
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Edipro, São Paulo, 2007.
Costa, José S. Tomás de Aquino: a razão a serviço da fé. São Paulo: Moderna, 1993.
Stratheer, Paul. Aristóteles em 90 minutos.  Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1997.


Fonte deste artigo: https://filosofonet.wordpress.com/2011/07/02/aristoteles-a-felicidade-como-sabedoria-pratica/ 

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

OS ECONOMISTAS AUSTRÍACOS QUE REFUTARAM MARX E SUA TESE DE QUE O TRABALHO ASSALARIADO É EXPLORAÇÃO



Políticos adoram declarar publicamente que sabem qual é o valor do salário mínimo que qualquer trabalhador no país deveria receber.  Só não explicam como chegaram a esse valor e nem muito menos por que o valor escolhido não pode ser $1 maior ou menor.
Adicionalmente, todos eles têm uma certeza: empresários, empreendedores e capitalistas são exploradores sem coração que se aproveitam da mão-de-obra de alguns de seus trabalhadores não lhes pagando a "quantia justa" que seu trabalho genuinamente merece.
O que está por trás deste pensamento sobre o valor "razoável" ou "justo" do salário mínimo é o fantasma de um pensador que há muito tempo pensava-se que teria sido relegado à lata de lixo da história: Karl Marx (1818-1883).
A teoria do valor-trabalho de Marx para o valor de um trabalhador
A concepção de Marx a respeito da "escravidão salarial" injusta que os capitalistas e empreendedores impunham a seus trabalhadores tornou-se a premissa e o grito de guerra que resultaram nas revoluções comunistas do século XX, com toda a sua destruição e terror.
Marx insistia em que o "valor real" de qualquer bem produzido era determinado pela quantidade de trabalho empregado na sua fabricação. Se a produção de um par de sapatos consome quatro horas de trabalho, e se são necessárias duas horas de trabalho para preparar e assar um bolo, então a "taxa de câmbio" justa entre essas duas mercadorias deveria ser a de um par de sapatos por dois bolos. Dessa maneira, esses dois bens seriam trocados a uma taxa que representa quantidades comparáveis do tempo de trabalho gasto para produzi-los.
Se o trabalho de um operário produziu, digamos, três pares de sapatos durante uma jornada de trabalho de doze horas, então o trabalhador tem o justo direito à propriedade dos três pares de sapatos produzidos pelo seu trabalho, de modo que ele poderia trocá-los pelos produtos que quisesse adquirir dos outros trabalhadores.
Contudo, insistia Marx, o capitalista que contratou o trabalhador não lhe paga um salário igual ao valor dos três pares de sapatos que este produziu. Isso ocorre, segundo Marx, simplesmente porque o capitalista é o proprietário da fábrica e das máquinas (a fábrica e as máquinas são a propriedade privada que o trabalhador utilizou para produzir esses sapatos).  Logo, estando estes bens de produção em propriedade do capitalista e não do trabalhador, o trabalhador tem de se sujeitar às demandas do capitalista, aceitando assim entregar ao capitalista uma fatia daquilo que sua mão-de-obra produz — caso contrário, morrerá de fome no frio.
O empregador paga ao trabalhador um salário somente igual a, digamos, dois pares de sapatos, desta forma "roubando" uma parte do seu trabalho.
Assim, na concepção de Marx, o valor de mercado do terceiro par de sapatos do qual o capitalista se apropriou a partir do trabalho do trabalhador seria a fonte de seu lucro, ou o ganho líquido sobre os custos de contratar o trabalhador.
Eis aí a origem da noção marxista de "renda imerecida", que seria a renda que não decorre de ter de trabalhar e produzir, mas simplesmente de se ser o proprietário de um negócio privado que emprega trabalhadores que realmente fazem todo o trabalho.
O capitalista, como você vê, não faz nada. Vive do trabalho dos outros, enquanto fica sentado em seu escritório, com seus pés sobre a escrivaninha, fumando um charuto (quando ainda era "politicamente correto" fazer isso). Não é de se surpreender, diante deste raciocínio sobre o trabalho, os salários e o lucro, que políticos e intelectuais não tenham apreço por capitalistas e empreendedores.
Carl Menger e o valor subjetivo das coisas
Karl Marx morreu em 1883, aos 64 anos de idade. Uma década antes de sua morte, no início dos anos 1870, sua teoria do valor-trabalho foi derrubada por diversos economistas. O mais importante deles foi o economista austríaco Carl Menger (1840-1921) em seu livro de 1871, Princípios de Economia Política.
Menger explicou que o valor de um bem não deriva da quantidade de trabalho despendida em sua fabricação. Um homem pode gastar centenas de horas fazendo sorvetes de lama, mas se ninguém atribuir qualquer serventia a estes sorvetes de lama — e, portanto, não os valorizar o suficiente para pagar alguma coisa por eles —, então tais produtos não têm nenhum valor, não obstante as centenas de horas gastas em sua fabricação.
Assim como a beleza, o valor — como diz o velho provérbio — está nos olhos de quem vê. O valor de um bem é subjetivo: depende do uso e do grau de importância pessoal (subjetiva) que alguém confere a esse bem (seja ele uma mercadoria ou um serviço).  Se o bem servir para algum fim ou propósito, então terá valor para ao menos uma pessoa.
Bens, ao contrário do que diz a teoria marxista, não têm valor por causa da quantidade de trabalho consumida em sua produção. Por outro lado, uma determinada habilidade de trabalho pode ter grande valor caso seja considerada útil (como um meio produtivo) para se alcançar um objetivo que alguém tem em mente.
Adicionalmente, o valor de bens idênticos decresce à medida que a quantidade delas aumenta.  E isso ocorre porque atribuímos a cada quantidade adicional de um mesmo bem à nossa disposição um propósito menos importante do que o propósito já atribuído para as unidades previamente adquiridas desse bem.
Por exemplo, à medida que acrescento camisas idênticas ao meu guarda-roupa, cada camisa extra em geral terá menos importância para mim do que as mesmas camisas que comprei anteriormente. Os economistas chamam isto de "utilidade marginal decrescente dos bens".
Ninguém paga por um bem mais do que aquilo que considera que ele vale
Assim, não há um valor mínimo "objetivo" que seja inerente ao ato de trabalhar. Um empregador contrata trabalhadores porque estes irão ajudá-lo a produzir um produto que acredita que poderá vender a potenciais consumidores. Na medida em que o empregador contrata trabalhadores com as mesmas habilidades específicas, cada um desses trabalhadores é alocado para uma tarefa menos importante do que aquela para a qual o trabalhador anterior, de mesma habilidade, foi contratado.
Como consequência, nenhum empregador pode pagar ou irá pagar mais por algum trabalhador do que aquilo que acredita que seus serviços valem (em termos de agregar valor às suas atividades de produção).  
Sendo assim, o valor de um trabalhador depende do tanto que o empregador acredita que o bem produzido vale para o público consumidor, que é quem decide comprar — ou se abster de comprar — o bem que o trabalhador ajuda a produzir.
Suponha que um empregador acredite que algumas das pessoas de sua força de trabalho contribuem com não mais do que $ 6 por hora para fabricar um produto que ele espera vender aos consumidores. Se o governo lhe disser que ele tem a obrigação legal de pagar a cada um de seus trabalhadores um salário mínimo que não pode ficar abaixo de $ 7,40 ou $ 10,10 por hora, não será nada surpreendente se ele optar por dispensar aqueles trabalhadores que considera custarem mais do que produzem.
Adicionalmente, outros empregos que poderiam estar disponíveis por $ 6 por hora nunca chegarão a existir.
Tudo o que um salário mínimo decretado pelo governo consegue fazer é expulsar do mercado de trabalho aqueles trabalhadores cuja contribuição para a fabricação de um produto é menor do que o valor que o governo determinou que deve ser pago a eles.
Mas o que o empregador faz exatamente? No que ele contribui para o processo de produção, para além do trabalho feito pelos empregados contratados? Marx, conforme vimos, argumentou que o "lucro" do capitalista seria o valor daquela fatia da produção do trabalhador que foi apropriada pelo empregador simplesmente pelo fato de ele ser proprietário do empreendimento no qual o trabalhador está empregado.
Böhm-Bawerk e a importância da poupança para a geração de empregos
Outro economista austríaco, Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914), que desenvolveu muitas das ideias que se originaram com Carl Menger, respondeu a Marx.
Em uma importante obra em três volumes intitulada Capital and Interest (1914), e em diversos ensaios, dos quais os mais importantes foram "Unresolved Contradiction in the Marxian Economic System" (1896) e "Control or Economic Law" (1914), Böhm-Bawerk perguntou: de onde vêm os empreendimentos nos quais os trabalhadores são empregados? E de onde vêm os recursos que garantem o pagamento dos salários dos trabalhadores?
Como a fábrica foi construída? De onde vem o capital — as máquinas, ferramentas e equipamentos — das fábricas, com o qual os trabalhadores contratados realizam seu trabalho para produzir os bens que eventualmente estarão disponíveis para os consumidores comprarem?
A resposta de Böhm-Bawerk foi que alguém necessariamente teve de poupar uma parte dos rendimentos obtidos no passado para, então, utilizar esses recursos poupados na construção da empresa e no seu aparelhamento com todos os bens de capital necessários, sem os quais o trabalho de qualquer trabalhador seria consideravelmente muito menos produtivo, com muito menos quantidades produzidas, e muito mais imperfeito em sua qualidade.
O empreendedor que inicia um empreendimento tem necessariamente de ou ter economizado os fundos necessários para cobrir suas próprias despesas de investimento ou ter tomado emprestado de outros que pouparam o necessário. Alguém teve necessariamente de se sacrificar, de abrir mão do consumo no presente para que essas economias estejam disponíveis no futuro para financiar o empreendimento.  Quando o empreendimento for feito, ele poderá então gerar um retorno financeiro no futuro, quando o produto houver sido fabricado e for vendido.
Um indivíduo só irá abrir mão do seu consumo no presente se ele for suficientemente compensado com um ganho futuro que faça valer a pena abrir mão desse consumo e prazer no presente.  Poupança é sacrifício e esse sacrifício tem de ser compensado.
É por isso que são pagos juros.  Juros são o preço pago a alguém que optou por abrir mão do consumo presente para, com isso, obter um valor maior no futuro.  Juros são o preço que arbitram se os recursos serão consumidos no presente ou investidos para o futuro.  Juros são o preço que os poupadores recebem no futuro por sacrificarem satisfações mais imediatas do presente, até que as quantias emprestadas sejam pagas de volta.
E o tomador de empréstimo paga esses juros porque ele valoriza mais o uso que fará do dinheiro e dos recursos que toma emprestado hoje do que todo o juro que pagará pelo empréstimo no futuro.
Empreendedores e capitalistas poupam os trabalhadores de terem de esperar pelos seus salários
O fato de empreendedores terem esses recursos à disposição — sejam eles oriundos de sua própria poupança passada ou de terem pegado emprestado a poupança de terceiros — significa que aqueles que ele emprega não terão de esperar até que os bens sejam produzidos e realmente vendidos para receberem seus salários pelo trabalho que realizaram durante o período de produção.
O empregador, em outras palavras, "adianta" aos trabalhadores o valor de seus serviços enquanto o processo de produção está em andamento, precisamente para aliviar seus empregados de terem de esperar até que as receitas da venda dos produtos aos consumidores sejam recebidas no futuro.
O fato de o trabalhador não receber o "valor total" da produção futura simplesmente reflete o fato de que é impossível o homem trocar bens futuros por bens presentes sem que haja um desconto no valor. O pagamento salarial representa bens presentes, ao passo que os serviços de sua mão-de-obra representam apenas bens futuros.
Com efeito, é por isso que é correto dizer que é o empreendedor quem de fato "faz tudo", pois sem sua disposição e capacidade para organizar, financiar e dirigir o empreendimento, seus empregados não teriam trabalho e nem receberiam salários antes que um único produto fosse fabricado e vendido.
A apreciação deste último ponto é de importância crucial. O empreendedor não é somente o organizador da empresa e o investidor que faz tudo acontecer; ele também é quem irá arcar com as consequências caso não obtenha um lucro pelos seus esforços empresariais.
Empreendedores arcam com a incerteza de planejar para o futuro
Os trabalhadores e todos os demais que fornecem ao empreendedor os bens, serviços e recursos necessários para que todo o processo de produção ocorra recebem seu pagamento enquanto o trabalho está sendo feito.  Já o empreendedor arca com toda a incerteza sobre se irá ganhar ou não o suficiente com a venda de seus produtos para cobrir todas as despesas nas quais incorreu.  Ele, aliás, nem sequer sabe se conseguirá vender seu produto.
Ao pagar aos seus empregados os salários que foram acordados por contrato, o empreendedor os alivia da incerteza a respeito de se, no final do processo, haverá lucro, prejuízo, ou se a empresa ficará no zero a zero.
É o empreendedor quem tem de fazer os julgamentos especulativos e criativos sobre o que produzir e a que preços seus produtos poderão ser vendidos. A precisão deste juízo empreendedorial em conseguir antecipar melhor do que seus concorrentes aquilo que seus consumidores podem querer comprar no futuro, bem como os preços que poderão pagar por esses bens, é o que determinará o sucesso ou fracasso de seu empreendimento.
Assim, Karl Marx errou completamente ao não entender o que determina o valor dos bens, o valor dos trabalhadores no processo de produção, e o papel vital e essencial do empreendedor, que é realmente quem faz com que as coisas aconteçam.
O mal decorrente das políticas baseadas em Marx
É de pouca importância se políticos e intelectuais que vêem trabalho, salários e empreendedores sob uma ótica de conflito de classes estão cientes do quanto suas concepções a respeito do capitalismo e do mercado de trabalho são implicitamente derivadas e influenciadas pelas ruminações obsoletas de um socialista revolucionário de meados do século XIX.
O que realmente importa é que políticas econômicas baseadas nesses equívocos marxistas a respeito da natureza e do funcionamento da economia de livre mercado irão gerar malefícios para aquelas mesmas pessoas a quem, supostamente, tais políticas deveriam ajudar.
E tais políticas equivocadas destruirão ainda mais os fundamentos essenciais do sistema de livre mercado, o qual, no decorrer dos últimos duzentos anos, deu aos homens uma liberdade pessoal e prosperidade material jamais ocorrida em toda a história humana. São políticas que destroem a liberdade que as pessoas possuem para trabalhar e se associarem livremente das maneiras que considerarem mais vantajosas, e que têm o potencial de levar a sociedade a um caminho ruinoso e conflituoso.
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Fonte deste Artigo: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2324